Bolívia v. Chile – A CIJ e a razão dos vencedores

Print Friendly, PDF & Email

O Chile obteve sua independência da Espanha em 1818 e a Bolívia fez o mesmo em 1825. As fronteiras entre os vários países que vieram a surgir do processo de independências na América espanhola tenderam, pelo princípio do uti possidetis, a respeitar os limites administrativos anteriormente vigentes.

Isso não eliminava, é claro, todas as divergências. Em 1866, Chile e Bolívia acordaram linhas de demarcação de fronteiras entre seus territórios costeiros e confirmaram essas linhas em tratado de 1874. A exploração econômica por parte do Chile das áreas de soberania boliviana e as contrapartidas devidas foram objeto de uma controvérsia que resultou em uma guerra que durou de 1879 a 1884 em que, de um lado, lutaram a Bolívia e o Peru e, de outro, o Chile.

O Chile tendo sido vitorioso, o armistício que pôs fim às hostilidades previu a continuidade da administração daquelas áreas costeiras por esse país. Um tratado de 1895 chegou a prever a transferência da soberania para o Chile em troca da manutenção de uma passagem soberana boliviana em direção ao mar. O tratado nunca entrou em vigor.

Finalmente, em 1904, um tratado de paz foi firmado, transferindo a soberania sobre o território para o Chile e regulando acesso comercial pelo território chileno e uso dos portos à Bolívia. Aquilo, portanto, que fora conquistado pela força, foi confirmado pelo direito convencionado entre as duas partes igualmente soberanas, mas evidentemente desiguais em poder.

Os dois países são partes no Pacto de Bogotá, tratado em que alguns países americanos reconhecem a jurisdição compulsória da CIJ para dirimir as questões de direito internacional surgidas entre eles[1].

A Bolívia levou justamente à Corte uma demanda contra o Chile, relacionada à questão do acesso soberano ao mar, baseando a jurisdição do Tribunal no Pacto de Bogotá.

O Chile sustentou perante a Corte que esta não teria competência para julgar o caso tendo em vista que o artigo VI do Pacto veda discussão perante a mesma de questões que tenham sido resolvidas por atos ou decisões anteriores ou que estejam reguladas ou regidas por tratados e convenções acordados entre as partes, o que seria o caso dos territórios e do tratado de 1904.

A Bolívia sustenta, no entanto, que não pede à Corte uma revisão do tratado de 1904 e nem pretende colocá-lo em cheque, mas sim pede que se reconheça a existência, para o Chile, de uma obrigação de negociar de boa fé um acesso soberano boliviano ao mar. Essa obrigação teria surgido depois e decorreria de declarações de altos oficiais chilenos e do histórico da relação diplomática entre os países.

O Chile contrapôs que reconhecer tal obrigação tal como construída pela Bolívia implica em reconhecer já um direito da Bolívia a esse acesso soberano.

Em 24 de setembro de 2015 publicou-se a decisão preliminar da Corte Internacional de Justiça na qual ficou decidido que a objeção do Chile era improcedente por considerar que cabe agora apenas determinar qual a questão jurídica posta em discussão e que, no caso, essa questão é claramente relacionada à existência ou não de uma obrigação de negociar o acesso. Esta questão específica não foi anteriormente resolvida nem está regulada pelo tratado de 1904.

A Corte nota que a aceitação da jurisdição não implica que já tenham sido decididos os contornos exatos da obrigação porventura existente. Isso será resolvido na fase de mérito.

[1]  O Pacto de Bogotá foi adotado durante a Nona Conferência Internacional Americana em 1948 e especifica os diversos meios de solução pacífica de controvérsias que podem ser aplicados pelos Estados signatários e que são os mesmos mencionados no artigo 25 da Carta da Organização.

 

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *