Coreia pode retaliar os EUA, decide OMC

No último dia 08/02/2019, foi circulada a decisão do Painel Arbitral no caso US – Washing Machines, que autorizou a Coreia do Sul a retaliar os EUA pela manutenção de medidas antidumping e compensatórias incompatíveis com o direito da Organização Mundial do Comércio (“OMC”). Essa decisão revela mais um desdobramento no contexto da guerra comercial, especialmente considerando a obstinação do presidente Donald Trump em encerrar o acordo comercial existente entre EUA e Coreia do Sul, além das tarifas impostas pelos EUA sobre as máquinas de lavar chinesas na segunda metade de 2018.

O caso US – Washing Machines foi iniciado em agosto de 2013, quando a Coreia questionou medidas antidumping e compensatórias aplicadas pelos EUA sobre as importações de máquinas de lavar originárias da Coreia. Em 2016, as duas “instâncias” do sistema de solução de controvérsias da OMC (Painel e Órgão de Apelação) entenderam que (i) as medidas antidumping dos EUA, devido à metodologia utilizada[1], violavam o Acordo Antidumping da OMC e (ii) as medidas compensatórias aplicadas pelos EUA sobre produtos coreano eram excessivas, violando o Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC. Diante desse descumprimento, os EUA receberam um prazo de 15 meses (que se encerrou em 26/12/2017) para adaptar ou revogar ambas as medidas, de forma a torna-las compatíveis com o direito da OMC. Os EUA não tomaram nenhuma medida para ajustar essas medidas nesse período.

Diante da inércia dos EUA, em 11/01/2018 a Coreia apresentou pedido de retaliação, sob o amparo do art. 22.2 do Entendimento de Solução de Controvérsias (“ESC”) da OMC. Os mecanismos de retaliação da OMC autorizam que o Membro prejudicado (nesse caso, a Coreia) viole os compromissos assumidos em relação ao Membro condenado (nesse caso, os EUA), para forçar o cumprimento da decisão. A retaliação pode ocorrer de várias formas, mas via de regra o Membro prejudicado aplica tarifas sobre bens importados do Membro condenado, que só se encerram quando o Membro condenado modifica ou revoga a medida incompatível com o direito da OMC.

Nesse caso, a Coreia solicitou retaliação sob dois aspectos: (i) com relação às medidas aplicadas especificamente às máquinas de lavar coreanas, a Coreia propôs um valor de USD 711 milhões a título de retaliação e (ii) considerando que a redação da legislação doméstica dos EUA era incompatível com o direito da OMC – que não foi modificada –a Coreia apresentou uma fórmula que seria usada para calcular o montante de eventual retaliação futura, caso os EUA viessem a aplicar medidas antidumping e compensatórias com base nessa mesma legislação sobre outros produtos coreanos, com exceção das máquinas de lavar, que já eram objeto da disputa.

Em 19/01/2018, os EUA se opuseram ao pedido da Coreia e solicitaram a instauração de um Painel Arbitral para discutir qual seria o nível da retaliação, sob o amparo do art. 22.6 do ESC. O Painel foi constituído em 22/01/2018.

A decisão recém circulada autorizou a Coreia a retaliar, porém em montantes diferentes daqueles que foram originalmente solicitados. Em sua decisão, o Painel Arbitral: (i) autorizou a Coreia a retaliar as medidas dos EUA aplicadas sobre máquinas de lavar até o valor máximo de USD74,40 milhões (retaliação pela medida antidumping) e de USD 10,41 milhões (retaliação pela medida compensatória) e (ii) determinou uma fórmula, com base em modelo econômico específico, que poderia ser utilizada para calcular eventuais retaliações futuras caso os EUA aplicassem novas medidas sobre outros produtos com base na legislação considerada inconsistente com o direito da OMC.

Essa decisão é especialmente interessante, pois, além de condenar uma medida que já foi aplicada sob um produto específico (máquinas de lavar), também autoriza uma retaliação no futuro caso a medida considerada incompatível com o direito da OMC venha a ser novamente aplicada. Quer dizer, trata-se de mais um incentivo para que os EUA revejam suas legislações domésticas para a aplicação de medidas antidumping e compensatórias, a fim de evitar que a Coreia retalie eventuais medidas decorrentes da aplicação dessas legislações em casos futuros, inclusive envolvendo outros produtos.

Cumpre ressaltar que essa decisão só passará a produzir efeitos depois de ser aprovada pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, órgão colegiado que contém os representantes de todos os Membros da OMC. Uma vez aprovada, a Coreia poderá iniciar a aplicar a retaliação, apresentando os devidos cálculos para não exceder os montantes determinados pelo Painel Arbitral. A retaliação deve ser imediatamente interrompida uma vez que os EUA ajustem suas medidas de forma a torna-las compatíveis com o direito da OMC.

 

Artigo da advogada Marina Yoshimi Takitani, da área de Comércio Internacional de Nasser Sociedade de Advogados

marina.yoshimi@nasser.adv.br

 

[1] Para mais detalhes sobre a decisão, ver “Defesa comercial no sistema de solução de controvérsias da OMC: ‘targeted dumping’ e ‘economia não de mercado’”.

As conclusões do painel da OMC no caso Brazil – Taxation – Parte 2: Os Programas ICT

Dando continuidade à série Brazil – Taxation, analisamos neste artigo a decisão do Painel da OMC quanto aos quatro programas brasileiros voltados ao setor de tecnologia da informação e comunicação: (i) o Processo Produtivo Básico para Bens de Informática (“PPB”); (ii) o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores e Displays (“PADIS”); (iii) o Programa de apoio ao desenvolvimento tecnológico da indústria de equipamentos para a TV digital (“PATVD”) e (iv) o Programa de Inclusão Digital, conjuntamente nomeados “Programas ICT[1].

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Programas de política industrial brasileiros condenados na OMC: As conclusões do Painel no caso Brazil – Taxation

No dia 30.08.2017, foi circulado o relatório do Painel no caso Brazil – Taxation, iniciado por União Europeia e Japão no âmbito do mecanismo de solução de controvérsias da OMC em face de determinadas medidas tributárias adotadas pelo Brasil.

Diante da complexidade do caso, o Informativo de Jurisprudência Internacional de Nasser Sociedade de Advogados (JI) lança uma série de artigos com a finalidade de analisar o posicionamento do Painel acerca dos programas de política industrial brasileiros. Este será o primeiro de uma série de quatro artigos que serão disponibilizados nas próximas semanas no JI.

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União Europeia aprova alteração às legislações antidumping e anti-subsídios

Em 2016 a União Europeia foi condenada pelo Órgão de Apelação a alterar as medidas antidumping aplicadas às importações de biodiesel da Argentina, pois a aplicação do seu regulamento antidumping no cálculo da margem de dumping foi considerado incompatível com as regras da OMC. O bloco ainda não implementou a decisão e aguarda a decisão de um painel da OMC em um caso similar iniciado pela Indonésia. Nesse ínterim, a União Europeia aprovou uma nova metodologia para o cálculo das margens de dumping em investigações de defesa comercial, conforme uma proposta de novembro de 2016.

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Energias renováveis e os acordos da OMC

No relatório do painel do caso India – Solar Cells (DS456), circulado em 4 de fevereiro deste ano, o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC se manifestou mais uma vez sobre políticas governamentais de incentivo às energias renováveis[1].

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Defesa comercial em condições “não de mercado” e a jurisprudência da OMC

 

UPDATE: Cf. Defesa Comercial no Sistema de Solução de Controvérsias da OMC: “targeted dumping” e “economia não de mercado”

Em março de 2016 foi circulado o relatório do painel em um caso iniciado no final de 2013 pela Argentina contra a imposição pela União Europeia (UE) de direitos antidumping às importações de biodiesel provenientes do país platino (DS 473) [1].

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OMC: Nova condenação de direitos antidumping impostos pela China

China — Measures Imposing Anti-Dumping Duties on High-Performance Stainless Steel Seamless Tubes (“HP-SSST”) from the European Union

 

No final de outubro último, o Órgão de Apelação publicou o seu relatório no caso China – HP-SSST, no qual confirmou a inconsistência de diversos aspectos da imposição, pela China, de direitos antidumping às importações de tubos de aço inoxidável sem costura (high performance stainless steel seamless tubes, HP-SSST) em relação às regras da OMC.

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Tributos e Política Industrial Brasileira na OMC

 

O Japão solicitou em julho consultas no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC sobre medidas tributárias que integram a política industrial brasileira. As medidas são exatamente as mesmas contestadas pela União Europeia seis meses atrás, quais sejam: (i) medidas relacionadas ao programa INOVAR-AUTO, (ii) lei da informática e medidas relacionadas, (ii) programa PADIS, (iii) programa PATVD, (iv) programa de inclusão digital, (v) regime especial de aquisição de bens de capital para empresas exportadoras – RECAP, e (vi) medidas instituindo e implementando subsídios relativos à compra de matérias primas, bens intermediários e materiais de embalagem[1].

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Barreiras sanitárias ao comércio: casos recentes

No final do ano passado, o Brasil iniciou um contencioso na OMC contra a Indonésia (DS484 – Indonesia – Measures concerning the importation of chicken meat and chicken products) alegando que o país adota barreiras à importação de carne e produtos derivados de aves que são inconsistentes com as regras da OMC. O caso ainda está em fase de consultas.

Em função das distorções que podem causar nos fluxos comerciais, e pelos prejuízos que podem causar às exportações brasileiras, é importante acompanhar permanentemente os desenvolvimentos no âmbito do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC no que se refere às barreiras sanitárias e fitossanitárias impostas pelos países membros. Nesse sentido, relatamos a seguir duas notícias recentes sobre casos em que se discute o tema.

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O caso US-COOL (rotulagem de países de origem) e a Implementação das decisões do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC

Neste mês de maio passado a OMC disponibilizou o relatório do Órgão de Apelação (OA) em procedimento de implementação no caso US – Certain Country of Origin Labelling (COOL). A contenda remonta a 2008, quando México e Canadá[1] questionaram uma série de leis e regulamentos norte-americanos – chamados em conjunto de COOL – que tornaram obrigatória a rotulagem de certos produtos de carne animal, classificados em categorias, conforme o país em que o animal nasceu, foi criado e abatido.

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