Data: 18/03/18

AS CONCLUSÕES DO PAINEL DA OMC NO CASO BRAZIL – TAXATION – PARTE 2: OS PROGRAMAS ICT

Dando continuidade à série Brazil – Taxation, analisamos neste artigo a decisão do Painel da OMC quanto aos quatro programas brasileiros voltados ao setor de tecnologia da informação e comunicação: (i) o Processo Produtivo Básico para Bens de Informática (“PPB”); (ii) o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores e Displays (“PADIS”); (iii) o Programa de apoio ao desenvolvimento tecnológico da indústria de equipamentos para a TV digital (“PATVD”) e (iv) o Programa de Inclusão Digital, conjuntamente nomeados “Programas ICT”[1].

Confira a Parte 1 da série Brazil – Taxation.

Os Programas ICT têm o objetivo comum de estimular o desenvolvimento da indústria brasileira e, para tanto, concedem benefícios no pagamento de tributos incidentes sobre bens de tecnologia e comunicação e seus insumos. Para poder usufruir desses benefícios, a empresa interessada precisa demonstrar que conduz determinadas etapas do processo produtivo desses bens no Brasil, em atenção aos requisitos estipulados pelos respectivos Processos Produtivos Básicos (“PPBs”) de cada programa.

A União Europeia e Japão alegaram que, devido a essa exigência estipulada pelos PPBs, os Programas ICT conteriam requisitos de conteúdo local, em violação ao Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (“ASMC”) e ao Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio (“Acordo TRIMs”). Além disso, alegaram que os benefícios fiscais e os esquemas de tributação favoreciam os produtos domésticos em detrimento dos importados, violando as obrigações de não discriminação contidas no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (“GATT”).

Em resposta, o Brasil afirmou que os Programas ICT eram consistentes com as regras da OMC, pois (i) os Programas não violavam os compromissos assumidos pelo país e (ii) alternativamente, ainda que encontrada alguma inconsistência, o PATVD seria justificado pela exceção da moral pública do Art. XX (a) do GATT.

Sobre os pontos levantados, o Painel concluiu que:

(1) Taxação em excesso dos produtos importados (Art. III:2 do GATT): para verificar se os produtos importados eram taxados em excesso aos produtos domésticos, o Painel analisou dois cenários distintos: (i) o ônus tributário que recai sobre produtos finalizados e (ii) o ônus tributário que recai sobre produtos intermediários (insumos). Sobre o item (i), o Painel entendeu que os produtos finalizados importados não poderiam usufruir dos mesmos benefícios tarifários aos quais se submetiam os produtos finalizados nacionais e, portanto, havia taxação em excesso. Sobre o item (ii), o Painel entendeu que, enquanto na compra de produtos intermediários domésticos havia isenção prévia dos tributos, na compra de produtos importados os tributos eram recuperáveis apenas posteriormente, na forma de crédito tributário. Esse esquema faz com que a isenção do crédito na hora da compra seja mais vantajosa, devido ao valor do dinheiro no tempo, de forma a favorecer o produto intermediário doméstico. Por esses motivos, entendeu-se que os programas ITC violavam o Art. III:2 do GATT.

(2) Tratamento Nacional (Art. III:4 do GATT): o Painel entendeu que houve violação do princípio do tratamento nacional de três formas (i) a partir das condições para credenciamento no programa, que discriminam os produtos importados, pois apenas empresas que têm planta produtiva no Brasil podem aproveitar os benefícios fiscais; (ii) a partir do mecanismo de cálculo de crédito para investimentos em pesquisa e Desenvolvimento, que concede maior crédito aos produtores que compram produtos domésticos e (iii) a partir do ônus administrativo que recai sobre companhias que compram produtos importados, que estão submetidos a um esquema tributário de compensação de crédito menos favorável.

(3) Requisitos de conteúdo local (Art. III:4 do GATT, Art. 2.1 do Acordo TRIMs e 3.1 do Acordo SCM): todos os quatro programas que constituem os Programas ICT contêm requisitos similares com relação ao processo produtivo, que determinam um conjunto de operações mínimas do processo de industrialização a serem realizadas em território brasileiro como condição para o recebimento de benefícios fiscais. O Painel chegou à conclusão de que, pelo fato de a maioria dos Programas ICT exigirem a utilização de insumos brasileiros ao longo dessas operações mínimas obrigatórias, ficou configurada a existência de requisito de conteúdo local, violando o Art. 2.1 do Acordo TRIMs e sendo considerados Subsídios proibidos nos termos do Art. 3.1 (b) do ASMC.

(4) Exceção da Moral Pública (Art. XX(a) do GATT): O Brasil alegou que o Programa PATVD tem por finalidade reduzir a desigualdade social, sendo uma medida necessária para a proteção da moral pública nos termos do Art. XX(a). O Painel entendeu que, apesar de o interesse de reduzir a desigualdade social ser de alta relevância, (i) o Brasil não demonstrou como o tratamento discriminatório contribuiria para a redução das desigualdades e (ii) a estrutura do PATVD desencoraja a compra de produtos importados, havendo uma restrição ao comércio que poderia ser suprida pela edição de uma medida alternativa potencialmente mais efetiva para satisfazer os objetivos brasileiros, como, por exemplo, a isenção fiscal para toda e qualquer TV Digital, seja nacional ou importada. Por esses motivos, o Painel entendeu que o PATVD não se enquadrava na exceção da moral pública.

A decisão do Painel traz contribuições relevantes para o planejamento das políticas industrias brasileiras. Em especial, colocou-se em xeque os requisitos do PPB contidos na Lei nº 8.387/1991, que vêm sendo utilizados em uma série de programas de incentivo à industrialização brasileiros desde a década de 1990. O PPB é um requisito necessário não apenas para a produção de bens de informática, mas também como contrapartida para o recebimento de benefícios fiscais na Zona Franca de Manaus[2]. Em seu pedido de consultas[3], a União Europeia[4] chegou a contestar a compatibilidade da Zona Franca de Manaus com as regras da OMC, mas essa discussão não foi levada adiante no pedido de instauração de Painel[5].

[1] Abreviação do inglês para “Information Communication Technology”.

[2] Conforme informações disponíveis em http://www.mdic.gov.br/index.php/competitividade-industrial/ppb/2908-o-que-e-processo-produtivo-basico, acesso em fevereiro de 2018.

[3] Documento que inicia a primeira fase de uma disputa no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, na qual se realizam negociações bilaterais durante um período obrigatório de 60 dias.

[4] WT/DS472/1, G/L/1061, G/SCM/D100/1, G/TRIMS/D/39.

[5] Documento que inicia a segunda fase de uma disputa no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, na qual as questões controvertidas são analisadas por Painelistas independentes e eventualmente pelos Membros do Órgão de Apelação.

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