Data: 17/02/21

Sanções ao Irã, Justiça Internacional e Brasil

Salem Nasser

A Corte Internacional de Justiça (CIJ) na Haia decidiu no último dia 3 de fevereiro que tem jurisdição para julgar a demanda do Irã contra os Estados Unidos por conta das sanções que Trump reinstituiu após se retirar do Acordo Nuclear de 2015.[1]

O Irã foi à CIJ em 2018, enquanto as sanções voltavam a operar, e acusou os Estados Unidos de violar os termos de um tratado de 1955 e não o Acordo Nuclear. A razão para isso é simples: o tratado de 1955 é o único que contém uma previsão de resolução das controvérsias pela CIJ.

Os Estados Unidos apresentaram exceções preliminares tentando convencer a Corte de que lhe faltava competência para julgar o caso. Diziam que, justamente, a controvérsia dizia respeito ao Acordo Nuclear e não ao tratado de amizade de 1955. E também que as sanções diziam respeito às relações entre o Irã e países terceiros e, portanto, não seriam cobertas pelo tratado bilateral. Tentaram se valer também de dispositivos contidos no próprio tratado e que dizem não poder o mesmo obstar ações das partes que digam respeito a materiais físseis e aos interesses vitais das mesmas.

A todos os argumentos americanos a Corte respondeu pela negativa. À exceção de dois pontos, a decisão foi unânime e, quando houve dissenso, este veio do juiz ad hoc indicado pelos Estados Unidos.

Antes mesmo da decisão sobre jurisdição, já em outubro de 2018, a CIJ havia determinado medidas cautelares que deveriam ser respeitadas pelos Estados Unidos, no sentido de ser permitida a circulação de alimentos, medicamentos e peças de reposição para aeronaves.

A decisão foi uma vitória jurídica para o Irã e é possível que no futuro uma outra decisão lhe dê razão sobre o mérito da causa e fique estabelecida a ilegalidade das sanções.

Ocorre, no entanto, que as decisões da CIJ têm capacidade limitada no que tange a desfazer os efeitos negativos das sanções. A mudança de governo nos Estados Unidos, e a promessa do novo presidente de voltar a um acordo sobre o dossiê nuclear iraniano, podem levar a uma mudança do quadro, mas isso deve demorar.

Até lá, o mundo continuará se perguntando quando e como é possível fazer negócios com o Irã sem se expor às sanções americanas. E ainda que as sanções sobre o Irã sejam levantadas, resta o fato de que os Estados Unidos estão se valendo cada vez mais das sanções como arma econômica para exercer o que chamam de “máxima pressão” sobre seus adversários. As mesmas perguntas poderão ser feitas em relação à Síria, à Coréia do Norte, à Rússia e até mesmo à China.

E as respostas não são facilmente identificáveis. Qualquer empresa, ou seus advogados, que queira estabelecer relações, comerciais ou financeiras, com um mercado extremamente interessante, como é o iraniano, terá dificuldades para apontar os riscos para si ou para seus diretores e funcionários.

A primeira barreira é que a complexidade das normas e as possibilidades de interpretação que abrem às autoridades americanas são enormes. Antecipar as circunstâncias em que elas serão aplicadas e os sentidos em que serão entendidas é arriscado.

Para os nacionais ou residentes nos EUA, que devem observar as proibições objeto das chamadas sanções primárias, talvez o quadro seja mais claro porque mais abrangente. Já as sanções secundárias, que podem alcançar os não nacionais dos Estados Unidos ou os que não residem ali, são naturalmente mais difíceis de mapear e de observar.

Em relação ao Irã, parece claro, para os da segunda categoria, que não deveria haver sanções para alimentos, remédios e tudo mais que seja humanitário; também não deveria para bens de consumo que não sejam explicitamente sancionados. Mas como antecipar a classificação que as autoridades americanas darão ao seu produto? E mesmo que a classificação seja pouco passível de discussão, as preocupações não estão esgotadas.

Ainda que o produto seja “lícito” e a operação também, alguns cuidados devem ser tomados: assegurar que os produtos não tenham origem nos Estados Unidos; que partes americanas, por exemplo o braço EUA da empresa, ou pessoas que trabalhem no país de origem dos produtos e que sejam de nacionalidade ou residentes nos EUA, não participem ou facilitem a operação; que não se faça negócio com pessoas ou entidades listadas pela OFAC (Office of Foreign Assets Control)[2] como nacionais especialmente designados (SDN); cuidar para que a cadeia de suprimento não envolva os EUA; que a operação não tenha a ver com portos, transporte, energia, petróleo, grafite, metais, seguros, setor automotivo; além disso, ainda que não submetidos às sanções, não se pode fazer “transações significativas” com o Banco Central iraniano.

Essa última restrição dialoga com o principal esforço dos EUA, que é o de restringir o acesso do Irã ao sistema financeiro mundial[3], exigindo inclusive que o sistema do Swift[4] (que operacionaliza transferências financeiras internacionais) excluísse o país de sua plataforma. A restrição aos pagamentos é, portanto, o principal problema a ser equacionado por quem comercia com o Irã, pois se eles são denominados em dólares necessariamente envolvem os EUA e daí a tendência de muitos bancos a restringirem os negócios envolvendo o Irã, ainda que legalmente não seja muitas vezes necessário.

Isso tudo não impede que o Irã seja um dos maiores parceiros comerciais do Brasil, sendo importador relevantíssimo de muitos de nossos produtos, especialmente alimentícios. Há portanto meios de conviver com as sanções, mas, sem elas, pode-se apenas imaginar o potencial para nossas exportações.

[1] O JCPOA (“Joint Comprehensive Plano of Action” ou “Plano de Ação Conjunto Global”) é um acordo internacional firmado pelo Irã, o Grupo do chamado “P5+1”(Alemanha, China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia) e a União Europeia, versando sobre o programa nuclear iraniano. Dentre diversas disposições, o acordo prevê a eliminação de 98% das reservas de urânio enriquecido iraniano, além da concordância de não construir usinas de energia nuclear por 10 anos, além do Irã ter cedido acesso regular à tais usinas para a Agência Internacional de Energia Atômica.

[2] O OFAC (“Office of Foreign Assets Control”), vinculado ao Departamento do Tesouro dos EUA, administra e aplica sanções econômicas e comerciais com base na sua política externa e em suas metas de segurança nacional contra países e regimes estrangeiros que, na acepção norte-americana, representem uma ameaça à segurança nacional, política externa e/ou economia dos EUA. Mais informações em: https://home.treasury.gov/policy-issues/office-of-foreign-assets-control-sanctions-programs-and-information. Acesso em 11 de fevereiro de 2021.

[3] Vide https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2018/11/05/sistema-swift-suspende-acesso-a-varios-bancos-do-ira-apos-sancoes-dos-eua.htm. Acesso em 11 de fevereiro de 2021.

[4] O chamado sistema Swift (“Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication” ou “Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais”) é um sistema de intercâmbio de informações bancárias e transferências financeiras, que é um código universal que conecta mais de 11.000 instituições financeiras, em mais de 200 países. Dessa forma, de maneira simplificada, pode-se dizer que o sistema é utilizado para operacionalizar transferências entre instituições financeiras de dois ou mais países. O sistema já foi utilizado, por vezes, como ferramenta de exclusão de determinados países do sistema financeiro mundial, como já foi feito com o Irã por diversas vezes, em 2007 e 2018.

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