Data: 29/03/21

30 anos de Mercosul: um balanço de conquistas e desafios

Leonardo de Paula

  1. Introdução

No dia 26 de março de 2021, sexta-feira, o Mercado Comum do Sul (doravante, “Mercosul”) completa 30 anos de existência. A história e a criação do Mercosul estão ligadas a outro mecanismo de integração dos países do Cone Sul, a saber, a Associação Latino-americana de Integração (“ALADI“). A ALADI foi criada com a intenção de ser um grupo de integração dos países latino-americanos. Atualmente, é formada por treze países-membros, e representa uma área de mais de 500 milhões de habitantes.[1]

A ALADI abriu o caminho para a criação de uma rede de Acordos Preferenciais de Comércio em seu âmbito, a partir de três dinâmicas de integração: (i) preferência tarifária regional aos produtos originários de qualquer país do bloco, frente à tarifas de países não-membros; (ii) o fomento à criação de acordos regionais, comuns a todos os países da ALADI; e (iii) o fomento à negociação de acordos de alcance parcial, que englobem dois ou mais países da Associação.[2]

Nesse sentido, o próprio Mercosul encontra-se dentro do bloco de acordos fomentados a partir da criação da ALADI. No que tange ao histórico da referida União Aduaneira, foi iniciada com um esforço de aproximação e integração Brasil-Argentina.[3] No ano de 1985, com a assinatura da Declaração de Iguaçu, os dois países sinalizaram abertura para uma integração a nível bilateral, sendo que logo no ano seguinte foi assinada a Ata para a Integração Brasil-Argentina, que deu gênese ao Programa de Integração e Cooperação  (“Pice“).

Foi no ano de 1991 que esse processo de integração ganhou contornos verdadeiramente regionais, haja vista as negociações com o Paraguai e o Uruguai para a formação de um mercado comum. Em 26 de março de 1991, foi firmado o Tratado de Assunção, que constituiu o Mercosul e foi assinado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Não obstante o período de transição previsto, o acordo internacional foi ratificado pelo Congresso através do Decreto Legislativo nº 197, de 25 de setembro de 1991 e promulgado e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 350, de 21 de novembro de 1991.

Após sua entrada em vigor, o Mercosul ainda foi aditado por três protocolos adicionais, a saber: (i) o Protocolo de Ouro Preto; (ii) o Protocolo de Brasília; e (iii) o Protocolo de Olivos. Estes dois últimos trataram dos mecanismos de solução de controvérsias no âmbito do acordo. O Protocolo de Ouro Preto, por sua vez, estabeleceu a estrutura institucional para o MERCOSUL, ampliou a participação dos órgãos legislativos nacionais e da sociedade civil, ainda dotando o MERCOSUL de personalidade jurídica no âmbito do direito internacional, possibilitando sua relações inter-blocos, com  outros países, blocos econômicos e Organizações Internacionais.[4]

Realizado este breve histórico, é possível mergulhar no sistema de integração criado pelo arcabouço jurídico-institucional do Mercosul, que hoje se estende para além do aspecto comercial, com acordos nas áreas de educação, trabalho, direitos humanos e saúde, a exemplo do recém promulgado Acordo Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação.[5] Tal aproximação denota, cada vez mais, o fomento da integração e unidade entre os países-membros, tão necessário em termos de liberalização comercial, pela proximidade geográfica e pela natureza próxima das relações econômicas travadas pelos membros da união aduaneira sul-americana.

Este artigo objetiva recordar brevemente as origens do bloco, além de empreender um sucinto balanço das diversas conquistas (Seção II) e desafios impostos (Seção III) aos países constituintes desta importante união aduaneira nessas três décadas de história, seguida de considerações finais (Seção IV).

  1. Conquistas proporcionadas pela integração regional no âmbito do Mercosul

Ressalta-se que um dos maiores avanços rumo à integração comercial no âmbito do Mercosul, foi a garantia do compromisso de aplicar uma Tarifa Externa Comum às importações de países não-membros, de modo que o Mercosul, com tal adição, ganhou contornos de uma verdadeira união aduaneira. É importante ressaltar que uma União Aduaneira é um tipo de associação comercial que implica na liberalização da tarifas intra-bloco e na uniformização e harmonização do tratamento comercial conferido pelos membros da União Aduaneira às partes extrabloco.[6] Na prática, em decorrência dos compromissos assumidos no âmbito do Mercosul e seus protocolos adicionais, nenhum dos países-membros pode, unilateralmente, alterar a alíquota do seu imposto de importação nas suas trocas comerciais com países de fora do bloco.

Muitos passos ainda são necessários para a criação de um mercado comum efetivo entre os membros do Mercosul, conforme anuncia o artigo 5º do Tratado de Assunção[7], mas pode-se dizer que o bloco econômico sul-americano é um sucesso do ponto de vista tanto da liberalização comercial, dos passos rumo à adoção da Tarifa Externa Comum e da relação inter-blocos e de sua participação enquanto bloco dotado de personalidade jurídica no direito internacional, a exemplo do estágio avançado do acordo inter-blocos com a União Europeia.

Naturalmente, os arranjos institucionais do Mercosul também fomentaram a criação de acordos complementares entre os membros, como os chamados Acordos de Complementação Econômica (“ACE”), que estabelecem normas e disciplinam as relações econômicas e comerciais, visando a promoção de desenvolvimento e diversificação dos fluxos comerciais, o que estimularia, por sua vez, as complementaridades e sinergias econômicas, os fluxos de investimento e a exploração de mercados, com facilitações adicionais de acesso. Por certo, tais iniciativas são determinantes para a criação de um espaço pautado pelo livre comércio.

Um bom exemplo desta faceta dos arranjos de integração citados é o ACE 74, firmado entre Brasil e Paraguai em fevereiro de 2020. Na mesma ocasião, também foi assinado um Acordo Automotivo[8] entre os países, o que gera ganhos em termos de estabilidade e segurança jurídica para a viabilização de investimentos e incrementos nos fluxos comerciais entre os países.

O Acordo Automotivo possui vigência indeterminada ou, alternativamente, até a adequação do setor ao regime geral do Mercosul. Assim, o Brasil concederá livre comércio imediato para produtos automotivos paraguaios, com a contrapartida de que o Paraguai liberalizará o acesso aos produtos brasileiros taxados com tarifas de 0 a 2%, aplicando margens de preferência tarifária crescentes para os demais produtos automotivos – até o anos de 2022 – quando se prevê liberalização total do setor.

III. Desafios impostos pelo processo de integração fomentado pelo Mercosul

         Por outro lado, nem só de vitórias vive o modelo de união aduaneira fomentado pelo Mercosul. Diversos problemas acometeram o processo de integração, que vão desde as marcantes disparidades entre os membros, até falhas na condução do processo e na sua implementação e descontinuidades decorrentes de trocas de governos, que podem ser mais ou menos favoráveis à agenda de liberalização comercial e do apoio ao Mercosul enquanto instrumento de fomento da integração regional na América do Sul.

Em primeiro lugar, destacam-se as dificuldades geradas pelas assimetrias entre os membros. Tais assimetrias vão desde a disparidade econômica no bloco, com o Brasil

sendo grande fonte destas desigualdades, que saltam aos olhos quando pensamos em termos de extensão geográfica, população e até mesmo em termos de Produto Interno Bruto (“PIB”).[9]

A descontinuidade em razão das trocas de governos também é um elemento que impõe óbices à consecução dos objetivos do Mercosul, haja vista que, de 4 em 4 anos, podem ser mudadas as visões de cada Estado acerca do rumo que o bloco deve tomar. Um exemplo foi a política externa dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, que priorizava as relações com países da América Latina e dos BRICS, além de planos de fortalecimento das relações a nível do Mercosul. De forma contrastante, governos como o de Fernando Henrique Cardoso, antes dos anos de PT, e Michel Temer, após, priorizavam o alinhamento com grande potências do Atlântico Norte, com destaque para União Europeia e EUA.[10] Naturalmente, tais visões impactaram a posição brasileira no que tange ao Mercosul, de forma que nos últimos dois governos citados, a busca de inserção regional no âmbito da América do Sul encontrou-se diminuída, o que por vezes obstou uma maior consolidação da união aduaneira sul americana.

            Assim, muitos dos desafios enfrentados pelo Mercosul já existem desde a assinatura do Tratado de Assunção e ainda permanecem, como a dificuldade de definição da TEC, a indefinição quanto a regimes especiais e de salvaguardas, a ausência de uma ordem de regras jurídicas regionais, de modo que o cumprimento dos regulamentos e regras fica comprometido por vezes, dentre outras questões. Ainda, do ponto de vista institucional, o Mercosul possui uma estrutura institucional minimalista, bem mais simples que a estrutura, por exemplo, da União Europeia, pautada na primazia do direito comunitário[11]. Para Deisy Ventura, tal distinção permite evidenciar a singularidade do modelo institucional do Mercosul e a dicotomia de dois modelos sui generis de integração e associação econômica-política-jurídica.[12]

            Todos esses elementos, marcadamente, dificultam uma atuação mais incisiva e integracionista por parte do Mercosul, que ainda luta por uma maior consolidação e robustez – tanto em termos jurídicos quanto institucionais – se comparado a outros blocos econômicos ao redor do globo.

IV. Conclusão

O movimento de liberalização comercial experimentado no século XX recompensou aqueles países, inclusive alguns em desenvolvimento, que conseguiram se integrar no comércio global e nas cadeia globais de valor. Conforme destacam Rabih Nasser e Uallace Lima[13], em face de tais paradigmas no comércio internacional, o Brasil e a América Latina no geral exercem pouco peso nas cadeias globais de valor e possuem baixos níveis de integração produtiva regional, mesmo apesar de iniciativas como a ALADI e o Mercosul.

Conforme concluem os autores, tais dados demonstram não só que o Brasil apresenta baixa inserção no comércio internacional e nas cadeias globais de valor, mas que uma reversão deste quadro passaria por uma maior integração comercial e produtiva na América Latina. Um exemplo importante de iniciativa que poderia ser emplacada para concretizar tais objetivos seria o próprio incentivo à industrialização de países vizinhos como o Paraguai, que passa por importantes transformações industriais, amparadas por seu Regime de Maquila e de Zonas Francas, sendo que estas últimas vem se mostrando um importante instrumento de integração entre os países, com diversas empresas brasileiras se instalando no país, objetivando usufruir das condições favoráveis impostas pela legislação do país vizinho.

Recentemente, o Conselho Nacional de Zonas Francas (“CNZF”) do Paraguai busca, em contato com o Ministério das Relações Exteriores (“MRE”), a promoção de Acordo regulando tal regime, objetivando com que o Brasil pare de cobrar tarifas de mais de 15% sobre as exportações industriais das zonas francas paraguaias. É uma oportunidade interessante para pôr em prática a aspiração de integração regional abordada ao longo deste artigo.

Apesar de tais desafios, deve-se ressaltar que o Mercosul foi, acima de tudo, uma iniciativa pioneira. Foi um esforço de integração capitaneado por países como Brasil e Argentina em um continente que possui imenso potencial para a integração regional e inserção em termos de cadeias globais de valor, mas que ainda precisa ganhar em robustez e fôlego para que os países latino-americanos possam, de fato, se inserir no comércio global e nas cadeias globais de valor para além do já batido modelo extrativista e exportador de commodities.

 

[1] Os treze países-membros são: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Juntos, representam uma área de 20 milhões de quilômetros quadrados e que compreende mais de 510 milhões de habitantes.

[2] Mais informações disponíveis em: http://www.aladi.org/sitioaladi/?page_id=696&lang=pt.

[3] BADIN, Michelle Ratton; CARVALHO, Marina Amaral Egydio; RORIZ, João Henrique Ribeiro. O perfil regulatório nos acordos regionais de comércio do Brasil com o seu entorno,  in. BAUMANN, Renato; OLIVEIRA, Ivan Tiago Machado. Os BRICS e seus vizinhos: comércio e acordos regionais. Brasília : Ipea, 2014, pp. 59-61.

[4] Mais informações em: http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/negociacoes-internacionais/206-assuntos/categ-comercio-exterior/sgp-sistema-geral-de-preferencias/1802-sgp-tratado-de-assuncao-e-seus-protocolos. Acesso em 23 de março de 2021.

[5] Ver https://www.mercosur.int/pt-br/brasil-promulga-acordo-com-paises-do-mercosul-para-investigacao-conjunta-de-crimes/. Acesso em 24 de março de 2021.

[6] WINTERS, Alan L. International Economics, Volume IV. [S.l.]: Routledge. 1991. p. 528.

[7]  O referido artigo menciona que os principais instrumentos para a constituição do Mercado Comum são: a) um Programa de Liberação Comercial, atinente à reduções tarifárias progressivas, acompanhadas da eliminação de barreira não tarifárias rumo à tarifa zero (Anexo I do Tratado); b) a coordenação de políticas macroeconômicas a ser realizada gradualmente e de forma convergente com os programas de desgravação tarifária e eliminação de restrições não tarifárias, indicados na letra anterior; c) uma tarifa externa comum, que incentiva a competitividade externa dos Estados Partes; d) a adoção de acordos setoriais, com o fim de otimizar a utilização e mobilidade dos fatores de produção e alcançar escalas operativas eficientes.

[8] Maiores informações disponíveis em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/financas-impostos-e-gestao-publica/2020/02/brasil-e-paraguai-assinam-acordo-no-setor-automotivo. Acesso em 24 de março de 2021.

[9] Para mais dados, verificar https://pt.countryeconomy.com/paises/grupos/mercosul. Acesso em 25 de março de 2021.

[10] Ver, como exemplo de tal contraste, o seguinte artigo, publicado à época das eleições de 2014, analisando as disparidades entre governos do PSDB e do PT no que tange à política externa: https://www.redebrasilatual.com.br/eleicoes-2014/2014/10/diplomacia-brasileira-e-questao-que-confronta-nitidamente-aecio-e-dilma-8995/.  Acesso em 25 de março de 2021.

[11] VENTURA, Deisy. As Assimetrias entre o Mercosul e a União Europeia: os desafios de uma associação inter-regional. Barueri: Manole, 2003, p. 133-143.

[12] Ibid. p. XLI.

[13] Disponível em: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/abertura-comercial-e-integracao-regional.ghtml. Acesso em 25 de março de 2021.

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