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13/12/22

A Arbitragem no Brasil e o PL 3293/21

Ana Elisa Bicca

Desde a sua normatização pela Lei nº 9.307/96, a arbitragem vem ganhando cada vez mais relevância no Brasil. Esse meio alternativo ao Poder Judiciário para solução de conflitos é considerado atrativo por diversos setores empresariais principalmente em decorrência de sua flexibilidade, confidencialidade e celeridade, além da maior especialidade dos julgadores para enfrentar questões de maior complexidade.

De acordo com a pesquisa “Arbitragem em Números e Valores”, realizada pela professora e advogada Selma Lemes com base em informações das oito principais câmaras arbitrais do país, estima-se que, em uma década, o número de novas arbitragens no Brasil deu um salto de mais de 600%. Só nos anos de 2020 e 2021 foram iniciados 655 novos procedimentos, somando R$ 119,7 bilhões em discussão, e o ano passado fechou com a marca recorde de 1.047 procedimentos em andamento ao mesmo tempo – recorde esse que possivelmente será ultrapassado ao final de 2022. Assim, não há dúvidas de que o Brasil conta hoje com uma comunidade arbitral consolidada e vem se tornando uma das referências mundiais no assunto.

Ao longo do ano, um tema que causou constante preocupação a essa comunidade foi o Projeto de Lei 3293/2021, apelidado informalmente de “PL antiarbitragem”. Esse PL, que propõe alterações na Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) e atualmente está em trâmite na Câmara dos Deputados, apesar de fomentar discussões pertinentes, enfrenta resistência por alterar bases fundamentais do funcionamento da arbitragem no Brasil.

São duas as principais mudanças polêmicas sugeridas por esse Projeto de Lei. A primeira delas diz respeito à publicidade dos procedimentos e decisões. Em oposição à ideia de proteger a confidencialidade e sigilo, o PL sugere que, uma vez instituída a arbitragem, a Câmara deverá publicar, em sua página na Internet, a composição do tribunal e o valor envolvido na controvérsia, bem como, ao final, publicar a íntegra da sentença arbitral, a fim de aumentar a segurança jurídica e construir uma jurisprudência acessível para a arbitragem. Embora a reflexão sobre o acesso a algum tipo de jurisprudência seja válida, o Projeto sofre críticas por promover uma alteração brusca em uma das bases essenciais da arbitragem sem a devida compreensão desse microssistema e sem o devido debate junto à comunidade arbitral.

A outra proposta do PL bastante criticada diz respeito à disciplina da atuação do árbitro com a determinação de que um árbitro não poderá atuar, concomitantemente, em mais de dez arbitragens, e não poderá haver identidade absoluta ou parcial dos membros de dois tribunais arbitrais em funcionamento. Para isso, como parte do dever de revelação, os árbitros deveriam informar antes da aceitação da função a quantidade de arbitragens em que atuam. Além disso, diretores ou secretários das câmaras arbitrais não poderão atuar como árbitros em processos dessas mesmas instituições. Essas alterações, sugeridas como forma de supostamente evitar conflitos de interesses, reserva de mercado e futuras ações anulatórias, acabam afetando a liberdade e a autonomia da vontade das partes para a escolha dos árbitros, princípios esses que são essenciais ao bom funcionamento da arbitragem.

O apelido de “PL antiarbitagem” vem, portanto, dessa noção de que as alterações propostas vão contra a natureza do instituto. Não só isso, mas também destoam da experiência internacional. A tradição da arbitragem no Brasil foi construída em linha com as recomendações da Uncitral — a câmara de Direito Comercial Internacional da Organização das Nações Unidas (“ONU”), de modo que mudanças estruturais como essas geram naturalmente a preocupação de que o ambiente negocial no Brasil possa se tornar descompassado em relação às práticas internacionais, inviabilizando o instituto ou no mínimo provocando um aumento do “custo Brasil” e uma “fuga” em massa de casos arbitrais. Assim, essas alterações legislativas podem ser um desestímulo à arbitragem no país, especialmente para agentes que privilegiam esse método de solução de disputas pela especialidade dos julgadores e pela confidencialidade.

A Lei de Arbitragem brasileira, além de estar alinhada às legislações internacionais sobre o tema, é considerada uma Lei modelo, tendo sofrido apenas ajustes pontuais em 2015 após amplo debate dos especialistas no assunto. Agora, ao contrário, o sentimento foi de que o debate foi atropelado, tendo inclusive causado espanto aos operadores do Direito o injustificado requerimento de urgência na tramitação do Projeto por parte de um grupo de deputados.

Não à toa, o Comitê Brasileiro de Arbitragem (“CBAr”) defendeu já em outubro de 2021 a retirada de tramitação do projeto e o Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (“CONIMA”) também se manifestou contra o PL 3.923/2021. Na enquete aberta pela Câmara dos Deputados em seu site, 96% das 621 pessoas votantes até o momento disseram “discordar totalmente” do projeto.
Agora no final do ano, em seminário organizado pelo site Poder360, com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (“OAB”), sobre o aperfeiçoamento da arbitragem no Brasil, Arthur Lira, atual presidente da Câmara dos Deputados, descartou a votação do PL em 2022 e adiantou que o tema deverá ser amplamente debatido na próxima legislatura. Após várias solicitações por parte dos deputados, já foi aprovada a realização de audiência pública para discutir o PL, a qual deverá contar com uma série de convidados especialistas. Embora a audiência pública e a votação do Projeto ainda não tenham datas definidas, esse seguramente será um tema a ser acompanhado de perto em 2023.

BIBLIOGRAFIA
https://www.sparbitrationweek.com.br/
https://congressocamccbc.org.br/
https://www.jota.info/coberturas-especiais/seguranca-juridica-investimento/numero-de-novos-casos-de-arbitragem-em-camaras-aumenta-600-em-uma-decada-04102022
https://www.migalhas.com.br/quentes/372810/arbitragem-registra-recorde-no-pais-advogado-analisa-estudo
https://www.jota.info/coberturas-especiais/seguranca-juridica-investimento/os-riscos-do-pl-antiarbitragem-em-tramite-no-congresso-15082022
https://forms.camara.leg.br/ex/enquetes/2300144/resultado
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2300144#tramitacoes
https://conima.org.br/pl-3293/
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pl-que-altera-lei-de-arbitragem-e-impertinente-e-contraria-legislacoes-globais-20072022
https://cbar.org.br/site/wp-content/uploads/2021/12/2021-10-05-nota-tecnica-pl3293.pdf
https://www.jota.info/coberturas-especiais/seguranca-juridica-investimento/reducao-de-marcha-em-pl-antiarbitragem-tranquiliza-comunidade-arbitral-24112022

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