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19/10/20

Avanço gradual

Salem Nasser

Fonte: Valor Econômico

O hábito secular dos árabes de selar negócios com um aperto de mãos e os olhos nos olhos foi transformado em ameaça pela covid-19. Mas é com muito maior desafio que as 22 nações da Liga dos Estados Árabes estão lidando neste ano. Além do isolamento forçado, fechamento de fronteiras, risco de desabastecimento e de rotas marítimas prejudicadas pela pandemia, os países acumulam crises e conflitos comuns em regiões de grande diversidade cultural e econômica.

Esse novo cenário acentua mudanças importantes que já vinham acontecendo no modelo econômico global e nos ambientes de negócios de alguns países da região, tornando cada vez mais frequentes expressões poucos comuns naqueles mercados, como cooperação internacional, transformação digital, indústria 4.0, menos importação, mais manufatura local, maior atração de investimentos estrangeiros.

Nesse ambiente, alinhado ao Sul do planeta, deste lado do Atlântico, o Brasil, que também procura lidar com seus revezes sociais, políticos e econômicos, não conseguiu manter crescentes os embarques para a região, que é o terceiro destino das exportações brasileiras e segundo do agronegócio.

Também não recebeu nem fez investimentos diretos expressivos com os parceiros do Norte da África e do Oriente Médio, e se vê diante de um desafio: na nova ordem global, continuará a ser um dos grandes fornecedores de commodities e carnes aos árabes ou aproveitará as oportunidades que surgem, seja diversificando e agregando valor à pauta de exportações, seja internacionalizando negócios em países com espaço e incentivos para investidores?

Foi em torno dessas questões que autoridades, especialistas e empresários das duas regiões se debruçaram virtualmente durante quatro dias, na semana passada, no Fórum Econômico Brasil-Países Árabes. Do lado brasileiro, o presidente Jair Bolsonaro manteve o tom de cordialidade adotado na visita que fez à Arabia Saudita, Catar e Emirados Árabes, no fim do ano passado – depois de ter surpreendido a comunidade árabe com o desejo de levar para Jerusalém a embaixada brasileira, situada em Tel Aviv.

Aos participantes do fórum, Bolsonaro disse que aposta no fortalecimento das relações entre o Brasil e os países árabes, classificadas pelo ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, como “estratégicas e cruciais para os nossos objetivos de crescimento e recuperação”. Para o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, o setor tecnológico pode oferecer boas respostas aos desafios atuais. O país, acredita ele, pode não apenas produzir como atuar em parceria com as nações que precisam de apoio.

Nas duas últimas décadas, as relações comerciais entre as duas regiões foram estimuladas por visitas e assinaturas de acordos que resultaram em uma corrente de comércio da ordem US$ 19,2 bilhões no ano passado. Do ponto de vista da internacionalização de negócios, porém, o avanço ficou aquém do potencial. Hoje, mais que os aviões da Embraer, os carros Passat da Volkswagen, as empreiteiras ou o frango halal brasileiro, os árabes conhecem a Marcopolo e a Intercement, que têm fábricas no Egito, a planta de processamento de carnes da BRF em Abu Dhabi (o grupo acabou de adquirir outra na Arábia Saudita) e a de pelotização de minério de ferro da Vale em Omã, abastecida regularmente com ferro brasileiro, destaca o presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, Rubens Hannun.

Os árabes também fizeram incursões no Brasil: estão em território nacional a DP World, de Dubai, que controla um dos maiores terminais do Porto de Santos; a Qatar Holdings, que tem participações na Latam; o fundo saudita Salic, que tem posições importantes no frigorífico Minerva e ações de outras empresas brasileiras; e marroquina OCP, que criou no Brasil uma planta de fosfatados – um dos insumos que o Brasil mais importa da região.

O investimento de US$ 10 bilhões anunciado pelo Fundo Soberano da Arábia Saudita (PIF), durante a visita presidencial de 2019, porém, continua na intenção. “Há muita distância entre promessa e entrega”, diz Salem Nasser, professor da Escola de Direito da FGV-SP, estudioso da região e da política externa brasileira. “Primeiro teríamos de nos tornar um lugar melhor para receber investimentos”, afirma.

Identificar empresas e setores brasileiros com potencial para investir no mercado saudita é o trabalho da Saudi Industrial Clusters. Conselheiro do National Industrial Development Center, vinculado ao Ministério da Indústria e Recursos Minerais da Arábia Saudita, Adalberto Bueno Netto analisou 67 e relacionou dez áreas em que a internacionalização pode beneficiar ambos os lados. Entre elas estão indústrias automotivas, de processamento de alimentos, equipamentos médico-hospitalares e energia renovável. Sua mensagem aos brasileiros: “Existe um país do G20, a Arábia Saudita, com 37 milhões de pessoas e 250 possibilidades de investimento, a maior parte vinculada à substituição de importação, com isenção”. Até agora o trabalho rendeu acordos para realização de estudos de viabilidade de investimento no país com a Eurofarma, a Aeris Energia e o Instituto Butantan.

Na Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, a rotina em busca de novos negócios é intensa. A instituição, que já tem um escritório em Dubai, anunciou no fórum a instalação de mais dois, um em Riad, na Arábia Saudita, e outro no Cairo, capital egípcia, e assinou acordo de parceria com a Apex-Brasil pela geração de novos negócios. Outra novidade foi o lançamento de uma plataforma com tecnologia blockchain para estreitar relações e ampliar informações sobre os mercados. “Avançamos no processo de certificação de documentos em vias digitais e fizemos webinars para favorecer entendimentos na esfera política e verbalizar necessidades”, diz Hannun.

Além da exposição virtual os participantes do fórum puderam conhecer melhor as possibilidades de negócios nos países árabes. “A próxima fase da economia mundial trará oportunidades para as economias emergentes aumentarem a presença no cenário global”, disse o secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Aboul Gheit, durante o fórum. Isso, em sua opinião, representa incentivo adicional à abertura de horizontes de investimentos não convencionais entre árabes e brasileiros. O secretário-geral da Federação das Câmaras Egípcias, Alaa Ezz, mencionou o caminho das parcerias público- privadas, que vêm dando novo fôlego às pequenas empresas no Egito, enquanto Ouided Bouchamaoui, CEO da HBG Holding e dona do Nobel da Paz de 2015, sugeriu a Tunísia como porta de entrada do Brasil a mercados europeus. “Queremos acentuar a parceria com empresas do Brasil, para que juntos possamos encontrar novas oportunidades e mercados”, disse ela.

Entre as condições para ampliar e diversificar os negócios, Khaled Hanafy, secretário- geral da União das Câmaras Árabes, destacou a criação de uma linha marítima direta entre as regiões, projeto que prevê parada dos navios em diversos portos do golfo e em Marrocos. A percepção comum entre os participantes, no entanto, é que, seja qual for o país ou o negócio escolhido, deve estar alinhado com um mundo em que pessoas e empresas estarão mais digitais, carentes de propósitos, segurança e colaboração.

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