Salem Nasser
Recentemente, falou-se muito sobre o fim do Petrodólar e sobre as implicações que o evento teria para a economia mundial.
O fim em questão estaria consubstanciado no fato de que a Arábia Saudita teria decidido não renovar um acordo que tinha com os Estados Unidos, em vigor desde 1974, e que previa que o reino árabe apenas vendesse o seu petróleo em dólares e investisse o excedente de suas receitas em títulos do tesouro americano.
Alguns comentaristas destacaram a importância do sinal dado pelo maior exportador mundial de petróleo como indicativo da crise do dólar enquanto moeda de troca no comércio mundial e também enquanto moeda de reserva internacional dos Estados.
Outros disseram haver algo de falso na notícia que teve tanto destaque. Houve quem afirmasse que o acordo nunca existiu e que a Arábia Saudita, como a maioria dos demais Estados, continuaria a realizar suas trocas em dólares, entre outras razões, por ter a sua moeda nacional colada àquela dos Estados Unidos.
Está claro que houve um acordo em 1974. À época, diante da crise do petróleo que decorreu do embargo dos países árabes por conta do apoio americano a Israel no conflito com a Síria e o Egito, o governo de Richard Nixon obteve da Arábia Saudita o compromisso de investir os excedentes financeiros em títulos soberanos dos Estados Unidos, ajudando a financiar a dívida americana, em troca de fornecimento de armas e garantias da sua segurança.
As informações sobre o montante da dívida americana detido pela Arábia Saudita, pelo acordo, teriam que ser mantidas em segredo. Isso durou até 2016, mas os números divulgados a partir desse ano são objeto de dúvida e tidos por subdimensionados. A obrigatoriedade de negociar as vendas em dólares, ainda que não fosse parte expressa do acordo, era tida por dada.
A sinalização por parte da Arábia Saudita, no sentido de que passará a diversificar as moedas em que realiza suas vendas de petróleo e de que fará o mesmo com as suas reservas internacionais, concentrando-se menos nos títulos da dívida americana, reforça um movimento mais amplo, envolvendo número crescente de Estados, de escape da dominação do dólar.
Esse movimento se viu reforçado pela tendência dos Estados Unidos a usarem mais intensamente instrumentos de guerra econômica, as sanções unilaterais, o sequestro de ativos soberanos.
A atitude da Arábia Saudita faria sentido na medida em que esse Estado tem tentado diversificar suas alianças e suas relações econômicas.
Por outro lado, não se pode descartar a possibilidade de o reino estar manobrando para ter melhores condições de negociação com os Estados Unidos.
Como se sabe, a Arábia Saudita está sob constante risco de ter seus ativos nos Estados Unidos afetados por ações que correm nos tribunais daquele país e que têm por objeto pedidos de indenização por conta dos ataques do 11 de setembro de 2001. A ameaça saudita de abandonar os títulos americanos pode ser uma resposta às ameaças que sente virem do outro lado.
Do mesmo modo, há quem imagine que a ameaça contida na sinalização saudita se destine a melhorar os termos de um novo acordo de aliança estratégica com os Estados Unidos.
Independentemente das resultantes do processo especificamente saudita, está claro que a economia mundial caminha para uma maior diversificação, das moedas de troca, dos ativos constitutivos das reservas internacionais e dos mecanismos de coordenação dos fluxos financeiros.
O ritmo em que isso se dará é a verdadeira incógnita. Talvez por isso, se tenha prestado tanta atenção à decisão que a Arábia Saudita teria tomado.
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