Data: 7/08/24

O Poder da Regulação Privada Transnacional: da segurança alimentar às olimpíadas, passando pela inteligência artificial

Salem Nasser

Você já se perguntou por que a Rússia não foi permitida de participar dos Jogos Olímpicos? Ou por que muitos se queixam de censura operada pelas plataformas de redes sociais? Ou o que significa um selo colado ao produto que você compra no supermercado?

É evidente que o Direito, entendido como o conjunto de normas produzidas pelo Estado, não regula a totalidade da vida social. Entre as entidades que colaboram com o direito nessa tarefa, está o que se costuma chamar de “regulação privada.”

Quando se fala em regulação privada, a imagem que nos vem à mente talvez seja a dos códigos de conduta das empresas, das regras que elas criam para governar seu funcionamento interno. Essas regras afetam apenas o que é de interesse do ente privado.

A complexidade da Regulação Privada

No entanto, há um fenômeno de regulação privada que afeta interesses públicos, ou seja, que impacta os interesses e direitos de outros atores além do ente privado que produz a regulação. Esse fenômeno impacta cada vez mais nossas vidas e setores das trocas sociais. Ele opera em escala transnacional, atravessando fronteiras ou as ignorando, podendo atingir, no limite, relações em escala global. Daí o nome “Regulação Privada Transnacional.”

É comum ouvir ou ler que plataformas sociais como Facebook, X, YouTube, TikTok, etc., servem hoje como praças públicas, os lugares onde o debate público ocorre. Todos nós, seres humanos, temos um interesse em – e talvez até mesmo o direito a – um ambiente de comunicação e troca que seja saudável, livre e justo. Se prestarmos atenção, no entanto, veremos que esse ambiente é constituído e gerenciado por regras impostas pelas empresas e que nos são desconhecidas. Não sabemos exatamente se há, e quais são, os mecanismos que favorecem determinados conteúdos, censuram outros, beneficiam determinadas opiniões ou informações e restringem outras.

A regulação estatal só pode correr atrás daquela criada pelos entes privados, raramente a alcançando. Às vezes, o problema não está no segredo ou na dificuldade de saber o que dizem as regras, mas, por exemplo, no poder relativo dos entes privados que produzem as regras e fazem com que elas controlem totalmente, ou quase, determinados setores, como o de sementes ou o do leite.

Outras vezes, podemos perceber um jogo político que interfere na criação das regras privadas ou na sua aplicação. O futebol opera, em todo o mundo, segundo regras privadas feitas pela FIFA, e as Olimpíadas operam segundo regras privadas do COI. Recentemente, vimos essas instituições operarem de modo a responder a determinadas condicionantes políticas, banindo determinados Estados das competições e incluindo outros.

É frequente, entre juristas, a consideração de que a regulação privada teria suas vantagens por ser de produção mais “natural” e espontânea. Mas é preciso lembrar, como os exemplos mostram, que nenhuma produção de normas e nenhum sistema que as venha a aplicar estão livres dos jogos de poder.

À medida que a regulação privada transnacional continua a crescer e se consolidar, é essencial que haja um diálogo aberto entre entidades privadas, governos e sociedade civil para garantir que esses regulamentos sirvam aos interesses públicos e respeitem os direitos fundamentais. A busca por transparência e responsabilidade nessas práticas regulatórias é crucial para um equilíbrio justo entre poder privado e bem-estar social.

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Salem Nasser 

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