Data: 1/06/22

Brasil pode aderir ao acordo da OMC sobre comércio de aeronaves civis

Em 12 de abril de 2022, o Conselho de Estratégia Comercial (“CEC”), órgão de deliberação da Câmara de Comércio Exterior (“CAMEX”) responsável pela delimitação das diretrizes da política comercial brasileira, aprovou o mandato negociador para a adesão brasileira ao Acordo sobre Comércio de Aeronaves Civis (“Acordo”) da Organização Mundial do Comércio (“OMC”).

O Acordo sobre Comércio de Aeronaves Civis da OMC entrou em vigor no dia 01 de janeiro de 1980 como um acordo plurilateral, anexo ao Acordo de Marrakesh que instituiu a OMC, mas não obrigatório para todos os membros da Organização. Assim, o Acordo conta com 33 países signatários[1], que desejam se beneficiar da eliminação de tarifas de importação sobre todas as aeronaves, excluídas as militares – portanto, para todas as aeronaves civis e demais produtos do setor, como motores, partes, peças e componentes de aviões, simuladores de voo, dentre outros[2].

Segundo o Ministério da Economia do Brasil, em nota informativa sobre o assunto, a medida visa a facilitação do acesso brasileiro ao mercado global de aeronaves, que é estimado em cerca de US$ 3 trilhões de dólares. Ao aderir ao Acordo, o Brasil se tornará o último produtor relevante de aeronaves civis a entrar para o grupo de signatários do Acordo.

A adesão ao Acordo se dá na esteira do compromisso do governo de promover a liberalização comercial a nível de OMC, em paralelo ao processo de adesão ao Acordo sobre Compras Governamentais da OMC (“GPA”), também aprovado pelo CEC em 2019. Em termos práticos, após a aprovação do mandato negociador, o Brasil pode dar andamento ao processo de adesão ao Acordo, que se dá no âmbito do impacto negativo de certos eventos recentes no setor aéreo, tais como a pandemia de Covid-19 e a guerra entre Rússia e Ucrânia.

Dessa forma, a adesão ao Acordo sinaliza a intenção, por parte do governo brasileiro, de conferir maior previsibilidade e segurança jurídica às empresas brasileiras do setor aéreo, garantindo maior competitividade e facilidade de acesso aos mercados dos demais países signatários, bem como aliviando a estrutura de custos do setor, ao garantir o acesso a bens e insumos livres de tarifas para as cadeias produtivas do setor aéreo, conforme comentário do Secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, que também destacou a importância de integrar o grupo de países signatários, de forma a participar de um importante espaço de discussões e debates sobre as melhores práticas regulatórias no setor de aviação civil, bem como do estabelecimento de compromissos não-tarifários, coibindo restrições quantitativas, licenças e certificações que restrinjam o comércio e que contrariem o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT).

Apesar dos benefícios advindos da acessão que foram listados pelo Ministério da Economia, é de se notar que o Brasil será o último produtor relevante de aeronaves civis a entrar para o grupo de signatários do Acordo, o que suscita um questionamento acerca dos motivos da não adesão brasileira no passado.

Uma primeira razão para tal hesitação inicial seria, naturalmente, a relevância da indústria de aviação brasileira, que faz do país um relevante produtor de aeronaves e seus componentes. Assim, natural eventual movimento de questionamento acerca da plena abertura destes mercados, já que a aplicação de tarifas de importação e outras medidas comerciais seriam instrumentos lógicos de proteção da indústria brasileira e de fomento da produção local.

A relevância brasileira nesta indústria é facilmente percebida pela posição de liderança de empresas como a Embraer, por exemplo. No âmbito do direito do comércio internacional e da OMC, tal papel de destaque da indústria de aviação brasileira ficou mais notório com os contenciosos entre o Brasil e o Canadá no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, no tocante aos subsídios concedidos pelo governo canadense à Bombardier, à época concorrente da Embraer.

A disputa entre Embraer e Bombardier e, consequentemente, de Brasil e Canadá, é uma das mais longevas no Brasil. Ainda em 1996, o Canadá iniciou consultas na OMC para discutir os subsídios concedidos pelo governo brasileiro aos países que comprassem aeronaves da Embraer por meio do Programa de Financiamento às Exportações (“Proex”). Tal movimento foi acompanhado de um pedido de abertura de painel pelo Brasil no ano de 2001, para questionar seis programas[3] de subsídios do governo canadense direcionados à Bombardier.

Após a emissão dos relatórios dos painéis em ambos os casos e interpostos os devidos recursos ao Órgão de Apelação da OMC, que manteve as decisões do Painel, o Proex foi considerado um subsídio proibido, bem como dois dos programas questionados pelo Brasil. Assim, os dois países deveriam eliminar os subsídios proibidos condenados pela OMC. Posteriormente, se seguiram contenciosos iniciados com fulcro no artigo 21.5 do Dispute Settlement Procedure da OMC, que cuida da verificação da implementação das decisões do Corpo de Apelação.

Mais recentemente, em 2017, o Brasil iniciou consultas na OMC, para questionar os mais de US$ 3 bilhões em subsídios concedidos à Bombardier, para seu programa C-Series. A concessão de tais benefícios, segundo o governo brasileiro, causou efeitos adversos aos interesses brasileiros, na forma de prejuízo grave à sua indústria, já que o efeito dos subsídios era o de deslocar ou ameaçar deslocar as importações de um produto similar do Brasil para outros países, tais como Canadá, EUA e União Europeia, bem como outros mercados consumidores de países terceiros. Entretanto, em 2021, o governo brasileiro decidiu encerrar a disputa na OMC, vez que a Bombardier se retirou do mercado de aviação comercial em 2017.

Dado esse contexto de relevância da indústria de aviação brasileira, é benéfico analisar a acessão brasileira ao Acordo de Aviação da OMC de forma racional, sopesando benefícios e prejuízos deste movimento comercial, principalmente ponderando os ideais de liberalização comercial e proteção da indústria nacional.

De toda forma, parece que a adesão do Brasil ao Acordo e o próprio apoio da Embraer[4] a este movimento parecem sinalizar que, com uma indústria já desenvolvida, os instrumentos protecionistas podem dar espaço aos esforços para garantia de possibilidades de acesso a outros mercados.

Clique aqui para acessar a íntegra do Acordo sobre Comércio de Aeronaves Civis da OMC.

[1] Os países signatários do Acordo são: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, China, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Estônia, França, Geórgia, Grécia, Irlanda, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Macau, Macedônia do Norte, Malta, Montenegro, Noruega, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Romênia, Suécia, Suíça e Taiwan.

[2] De acordo com o artigo 1º do Acordo sobre Comércio de Aeronaves Civis da OMC, que delimita seu escopo.

[3] Tais programas eram: i) financiamentos e empréstimos do Export Development Corporation (EDC); ii) apoio às indústrias de aeronaves pelo Canada Account; iii) fundos concedidos às indústrias pelo Technology Partner ships Canada (TPC) e programas anteriores, especificamente Defence Industry Productivity Program (DIPP);  iv) a questão da venda de 49% das ações da fabricante de aeronaves civis de Havilland, Inc. pela Ontario Aeroespace Corporation para a Bombardier em termos não comerciais; v) benefícios do Canadá – Quebec Subsidiary Agreement on Industrial Development (Subsidiary Agreement); e vi) beneficios do governo de Québec por meio da Société de Développement Industriel du Québec (SDI) e, o seu programa sucessor, o Investissement Quebec (IQ)

[4] Ver mais informações em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/03/24/brasil-adere-a-acordo-sobre-o-comrcio-de-aeronaves-civis-na-omc.ghtml. Acesso em 09 de maio de 2022.

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