Data: 5/04/21

E se entra em vigor o Acordo União Europeia – Mercosul?

Salem Nasser

Recentemente um painel de peritos formado com base no Acordo de Livre Comércio celebrado entre União Europeia (“UE”) e Coreia do Sul considerou[1] que esta última, por não ter ratificado algumas Convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT e por manter alguns dispositivos de sua própria legislação trabalhista, estava em descumprimento dos termos daquele tratado.

Assim como o Acordo de Livre Comércio UE – Mercosul, aquele que a UE celebrou com a Coreia do Sul contém um capítulo específico que trata das relações entre comércio e temas de sustentabilidade, e é no âmbito desse capítulo que está prevista a formação de painéis de peritos para avaliar o cumprimento de suas normas e a solução de controvérsias relacionadas ao tema comércio/sustentabilidade.

A existência de tal capítulo em ambos os acordos mostra que de fato se trata de um “modelo europeu de acordo de comércio”; ou seja, com algumas adaptações possíveis, espera-se que os parceiros adiram à estrutura básica proposta pela UE.

Uma análise comparativa dos dois tratados mostra que, a despeito da manutenção da arquitetura geral, os termos do capítulo relacionando comércio e sustentabilidade no acordo com o Mercosul são mais extensos e detalhados, referindo especificamente, por exemplo, mudanças climáticas, gerenciamento florestal e gerenciamento de cadeias de produção.

A longa duração e as dificuldades do processo negociador desse acordo, e logo a sua conclusão de forma acelerada em 2019, são explicadas em grande medida pelas circunstâncias políticas dos últimos anos e pela vontade de alcançar uma realização importante em termos de acordos comerciais. Nisso talvez não se tenha dado o merecido debate sobre o que significava adotar o modelo europeu contendo dispositivos que, concretamente, impõem obrigações ou constrições que recaem principalmente sobre o Brasil e concedem mecanismos de pressão à UE.

Hoje, o julgamento que os europeus fazem da política ambiental brasileira é tal que até mesmo as perspectivas de o acordo entrar em vigor são incertas, já que vários países ameaçam com a não ratificação.

Se, no entanto, as circunstâncias mudarem e o acordo vier a entrar em vigor, o Brasil deverá enfrentar as probabilidades aumentadas de pressão sobre suas práticas em relação ao meio ambiente e outros temas do universo da sustentabilidade.

O mecanismo específico de solução de controvérsias contido no capítulo mencionado, o do painel de peritos, parece marcado por maior flexibilidade, já que não se confunde com o sistema de solução de controvérsias aplicável ao acordo como um todo.

Finalmente, menciona-se que, em razão do acordo envolver duas organizações de integração regional, os termos dos dispositivos que lidam com controvérsias preveem que as mesmas podem se dar entre a UE e o Mercosul ou entre a UE e Estados Membros do Mercosul.

Isto se explica pelo fato de que o Mercosul não tem todas as prerrogativas que lhe permitiriam fazer-se responsável pelas políticas ambientais no bloco como um todo. E também significa que, em matéria ambiental, o Brasil muito provavelmente terá que suportar a pressão a título individual.

[1] Mais informações disponíveis em: https://trade.ec.europa.eu/doclib/press/index.cfm?id=2238. Acesso em 25 de março de 2021.

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