Data: 1/04/22

Q&A SOBRE SANÇÕES INTERNACIONAIS CONTRA A RÚSSIA

Nasser Advogados e Salem Nasser

O conflito entre Rússia e Ucrânia já completa a sua quinta semana e os pacotes de sanções internacionais seguem crescendo. Aplicadas em decorrência do conflito, as sanções internacionais repercutiram seus efeitos tanto nos países envolvidos, como na comunidade internacional. Nesse sentido, para melhor compreender a conjuntura jurídica e melhor localizar o Brasil neste cenário, elaboramos um Q&A (Perguntas e Respostas) sobre o tema. 

Nasser Advogados. O que são as hoje tão faladas Sanções Internacionais?

Salem Nasser. As sanções são, essencialmente, medidas coercitivas usadas para forçar os Estados a, de algum modo, mudarem seu comportamento. Muitas vezes são apresentadas, por quem as impõe, como tentativas de resposta a ações ilegais desses Estados. São de dois tipos básicos: multilaterais e unilaterais. As primeiras são impostas por Organizações Internacionais de composição universal, sendo as mais importantes aquelas decididas pelo Conselho de Segurança da ONU; estas são vistas como legítimas, porque decorrentes da aplicação da Carta da Organização[1], e são também obrigatórias para todos os Estados-membros. Já as unilaterais são impostas por Estados singulares ou por Organizações como a União Europeia. Sua legitimidade é bem mais problemática, já que o Estado ou a Organização decidem sozinhos, e também porque os efeitos recaem sobre terceiros. As sanções unilaterais são um instrumento usado há muito pelos Estados poderosos, mas que vêm sendo aplicadas com frequência e intensidade crescentes nos últimos tempos.

NA. Que formas podem tomar essas medidas coercitivas?

SN. Os tipos de sanções, quer multilaterais, quer unilaterais, são muito variados, podendo assumir diferentes formas a depender do alvo (Estado, indivíduo, empresa) e da natureza (diplomática, econômica, financeira, etc.). Há tentativas de classificação das mesmas, mas a ilustração com alguns dos inúmeros exemplos transmite um panorama bastante instrutivo: contra os Estados são aplicadas medidas como congelamento de fundos depositados junto a bancos de outros países, restrições contra seus bancos centrais, restrições de comércio, suspensão da participação em Organizações Internacionais etc.; contra os indivíduos aplicam-se igualmente congelamento de bens e fundos, proibição de viagem, impedimento de atividades comerciais e tantas outras. Veja-se o caso da Rússia: os Estados Unidos, a União Europeia e alguns outros países foram aplicando, e logo ampliando, diversas medidas que visam a exclusão dos bancos russos do sistema SWIFT de pagamentos internacionais, a restrição a importações de bens provindos da Rússia, a restrição a exportação de determinados produtos para a Rússia, o fechamento dos espaços aéreos a voos das companhias russas, o congelamento de fundos…

NA. Por que se diz que há um problema de legitimidade relacionado às sanções unilaterais?

SN. Por um lado, quando um Estado impõe a outro essas medidas coercitivas, ainda que o faça invocando a ilegalidade do comportamento daquele que sofre as sanções, ele está chamando para si a autoridade de dizer o que é e o que não é ilegal, a autoridade para comandar o que o outro Estado deve ou não fazer. Como a tendência é a de impor sanções cada vez mais em circunstâncias em que o que se tem é uma mera discordância sobre os rumos da política mundial, não só a legitimidade desse comportamento unilateral é posta em xeque, mas também a sua legalidade é no mínimo dúbia. Além disso, como é possível pensar as sanções como um tipo de ação que compõe o que se está chamando de “guerras híbridas ”, é possível pensá-las como ilegais enquanto um novo tipo de uso da força.

Por outro lado, o caráter ilegítimo das sanções unilaterais pode decorrer do mal que costumam causar a outros atores que não o Estado alvejado pelas medidas, outros Estados e também pessoas privadas. Considere-se mais uma vez o caso da Rússia: qualquer Estado ou pessoa que tenha relações comerciais com o Estado russo ou com empresas ali estabelecidas hoje vive ao menos a incerteza sobre o futuro de seus negócios; não sabe se poderá pagar através do SWIFT, se poderá receber, se encontrará meios alternativos de pagamento, se receberá suas mercadorias, se não entrará para alguma lista de restrições americanas ou europeias apenas por negociar com a Rússia….

NA. Qual a posição do Brasil em relação às sanções?

SN. No que respeita às sanções multilaterais, aquelas estabelecidas pelo Conselho de Segurança da ONU, o Brasil sempre as internaliza e implementa em seu território[2], considerando que de fato estamos obrigados a isso. Já com relação às sanções unilaterais, o Brasil tende a lamentar o recurso a essas medidas tomadas fora dos foros diplomáticos tradicionais. Especificamente no que diz respeito ao conflito Rússia e Ucrânia, houve pronunciamento do Ministro das Relações Exteriores[3] em prol da discussão do tema em foros multilaterais. Assim, apesar de ter se posicionado contrariamente à incursão militar russa e a favor de uma resolução pacífica e urgente do conflito, o Brasil reiterou seu posicionamento contrário à aplicação de “sanções unilaterais e seletivas”, em razão da sua ilegalidade perante o direito internacional e de seus efeitos coletarais sobre terceiros países.

NA. Mas o Brasil e suas empresas estão ainda assim sujeitas aos riscos decorrentes da aplicação das sanções unilaterais, como estas impostas à Rússia?

SN. Sim, estamos sujeitos aos efeitos extraterritoriais das medidas tomadas por governos estrangeiros para atingir um Estado que não é o Brasil e pessoas que não são as brasileiras ou as residentes no Brasil. Isso impõe ao Estado brasileiro e às suas empresas, de modo especial, um custo suplementar decorrente da necessidade de calcular as consequências negativas de qualquer interação com o território russo e suas empresas. Em vista disso, muitas vezes Estados e particulares incorrem numa obediência excessiva aos termos das restrições apenas para não incorrer no risco ou no custo adicional, ou seja, tendem a restringir os negócios com a Rússia mesmo quando não precisariam fazê-lo. Além disso, acaba se instalando uma restrição dos mercados mundiais. O exemplo da crise brasileira em relação aos fertilizantes[4] é apenas uma ilustração aguda desse problema, além de outros efeitos colaterais e indiretos, como o aumento do preço do combustível a nível global.

 

[1] O artigo 41 da Carta da ONU determina que o Conselho de Segurança pode decidir quais medidas, não envolvendo o uso da força, podem ser aplicadas para dar efeito às suas decisões.

[2]   Nos termos da Lei n° 13.810/2019.

[3] Disponível em https://www.gov.br/mre/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/discursos-artigos-e-entrevistas/ministro-das-relacoes-exteriores/discursos-mre/intervencao-do-ministro-carlos-franca-em-sessao-de-debates-tematicos-do-senado-federal-2013-24-de-marco-de-2022, acesso em março de 2022.

[4] Disponível em https://valor.globo.com/agronegocios/noticia/2022/03/29/ministra-volta-a-pedir-aos-eua-que-sancoes-a-russia-nao-afetem-fertilizantes.ghtml, acesso em março de 2022.

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