Data: 18/03/24

Mudanças Climáticas nos Tribunais Internacionais. Pode o Direito salvar a Humanidade?

Salem Nasser e Leonardo Baroni

Ainda que possa haver algum exagero na pergunta, ela não é de todo absurda.

Ao longo do Século XX, o Direito Internacional, um Direito criado pelos Estados para regular as relações entre eles, passou por um processo de grande expansão. Isso quer dizer que houve uma enorme multiplicação das suas normas e a criação de grande número de instituições. A razão para isso é de fácil compreensão: os temas que preocupam os Estados e os demandam cooperação e regulação aumentaram à medida em que mais Estados se relacionavam de modo mais intenso uns com os outros.

Pela mesma razão, e de modo concomitante, o Direito Internacional conheceu um processo de gradual especialização. Isso quer dizer que a expansão se deu pelo desenvolvimento de braços, capítulos e regimes especializados da ordem jurídica: Direito do Mar, Direito do Desenvolvimento, Direito do Meio Ambiente, Direito dos Direitos Humanos etc.

Entre os temas de comum interesse dos Estados, há alguns que, por um lado, são relevantes para a humanidade como um todo e não apenas para alguns países e, por outro lado, colocam em questão a continuidade da vida humana no planeta. O problema das mudanças climáticas é, por excelência, um tema de tal natureza.

Na medida em que sabemos que a ação humana contribui para o aquecimento global, vivemos necessariamente uma corrida entre o processo de mudança do clima e aquele de adequação do comportamento dos países e dos indivíduos. Como o Direito é um dos mecanismos pelos quais o comportamento se regula e muda, podemos dizer que a corrida é também entre o aquecimento global e o Direito, o Internacional neste caso.

O fato é que o Direito tem perdido a corrida. Como, neste caso, as normas e a criação de instituições demandam a concordância dos Estados, os resultados são sempre limitados pelos interesses discordantes, pela falta de disposição política para assumir custos da adequação e pelo desencontro entre leituras diversas do que diz a ciência.

Muito desse Direito acaba tendo força insuficiente para mudar de modo eficaz a realidade. É o que se costuma chamar de Soft Law.

Será então que os Tribunais Internacionais podem dar ao Direito a força que parece lhe faltar e tornar mais eficaz a luta contra as mudanças climáticas?

Os Tribunais Internacionais são limitados pelo mesmo princípio geral que limita a ordem em que estão inseridos: porque os Estados são soberanos, eles só podem ser submetidos a julgamento por cortes ou tribunais a que tenham cedido a jurisdição. Por essa razão, e também pelo fato de que dificilmente pode-se dizer que um Estado singular seja o responsável individual por um processo global, é improvável que ocorram muitos casos contenciosos contra este ou aquele Estado, em matéria de mudanças climáticas.

Ocorre, no entanto, que vários tribunais têm um tipo de competência, dita consultiva, para além daquela contenciosa. Os tribunais, consultados, podem emitir pareceres sobre o que o Direito diz e comanda.

Em publicação anterior, já tínhamos noticiado e comentado as implicações de um pedido de parecer consultivo sobre esta matéria perante a Corte Internacional de Justiça. Falamos, então, dos riscos de se ter uma decisão diluída ou, ao contrário, uma decisão muito constringente que os Estados viessem a ignorar. O caso segue perante a Corte.

Mais recentemente, dois outros pedidos de parecer consultivo foram submetidos a dois tribunais internacionais e isto demanda alguma análise complementar. Um dos pedidos foi submetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos e o outro ao Tribunal para o Direito do Mar.

Diferentemente da Corte Internacional de Justiça, que tem uma competência material universal (pode lidar com qualquer questão jurídica que os Estados queiram submeter) os outros dois tribunais são evidentemente especializados no que respeita às matérias que podem discutir.

A Corte Interamericana só pode aplicar a Convenção Americana de Direitos Humanos, pela qual foi criado. O Tribunal do Mar só pode lidar com as questões jurídicas decorrentes da Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar.

Como pode se dar, nessas circunstâncias, que perante esses tribunais se esteja discutindo mudanças climáticas? Clima não seria um tema pertencente a outro braço de especialização do Direito Internacional, o Direito do Meio Ambiente? Como pode se fazer parte de discussões no âmbito dos Direitos Humanos ou do Direito do Mar?

Na Corte Interamericana, os juízes terão que decidir se há algo que os Estados partes da Convenção Americana devem fazer em relação às mudanças climáticas, algo que, se não o fizerem, estariam violando os direitos fundamentais que prometeram garantir e proteger.

No Tribunal do Mar, os juízes deverão dizer se os Estados partes na Convenção do Mar têm obrigações em relação à mudança climática que decorrem dos termos dessa mesma convenção, especialmente no que diz respeito aos direitos e interesses de Estados que serão especialmente afetados pelo processo de aquecimento da terra.

Por um lado, ambos tribunais enfrentarão o mesmo dilema a que faz face a Corte Internacional de Justiça: o risco de emitirem decisões esvaziadas contra o risco de emitirem decisões duras que ninguém cumprirá.

Por outro lado, há a esperança de que a multiplicação de instâncias em que o tema é levantado aumente a conscientização e ajude a modificar os comportamentos.

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