Comunicados -
12/06/24Gustavo de Oliveira, Rafael Abdouch e Sergio Zahr Filho
Imagine que a empresa “X”, com sede na cidade de São Paulo, esteja em tratativas para firmar um contrato de fornecimento de alimentos com a empresa “Y”, que se localiza em Araraquara, no interior do estado.
Ao se sentarem para negociar as cláusulas, os representantes dessas empresas entendem que caso surja alguma disputa relacionada ao contrato, seria interessante que o julgamento se desse em um “território neutro”, a fim de que nenhum dos dois seja desfavorecido, por exemplo, com despesas para eventuais comparecimentos pessoais e acompanhamento do processo.
Entendem que Campinas, a meio caminho entre as duas cidades e com boa estrutura judiciária, seria um bom local para que as eventuais disputas surgidas em decorrência do contrato sejam processadas e julgadas. De comum acordo, então, fazem constar a cláusula 18, que estabelece que “Fica eleito o foro de Campinas para solucionar quaisquer controvérsias com origem neste contrato”. A isso, costuma-se chamar de “cláusula de eleição de foro”.
Essas cláusulas são muito comuns em contratos e costumavam ser respeitadas nas relações empresariais, desde que fossem pactuadas por escrito e fizessem referência a um negócio jurídico específico, como é o caso do nosso exemplo.
No entanto, uma nova lei veio alterar esse cenário. No último dia 04, a Lei nº 14.879 foi sancionada e alterou o § 1º do art. 63 do Código de Processo Civil (“CPC”) ao prever, agora, que “a eleição de foro somente produz efeito quando constar de documento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor”.
A Lei também inseriu o § 5º ao art. 63 e deu poder ao juiz para, mesmo sem requerimento das partes, entender que uma pactuação que não tenha vinculação com o domicílio das partes ou com o negócio jurídico discutido no processo é abusivo e, portanto, aquele foro não é competente para julgar.
Assim, na prática, a Lei restringe a livre escolha do foro, isto é, do local em que um determinado caso decorrente de um pacto escrito vai ser processado e julgado. No nosso exemplo, seria possível que mesmo com a pactuação feita na cláusula 18, o juízo de Campinas entendesse que a causa não poderia ser julgada lá porque “não guarda pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação”.
Uma das críticas à alteração legislativa é a de que ela restringe um acordo feito pelas partes de livre e espontânea vontade, ainda que tenha uma motivação como aquela referida pelos representantes das empresas “X” e “Y”. Além disso, não ficou claro se as cláusulas assinadas antes da promulgação da Lei serão consideradas válidas.
A redação do artigo também favorece decisões conflitantes no futuro, especialmente porque o termo “guardar pertinência” pode ter múltiplas interpretações, o que pode causar insegurança jurídica.
Resta observar como essa mudança será aplicada na prática. Só o tempo dirá.
A equipe de Resolução de Disputas do Nasser Advogados está à disposição para quaisquer esclarecimentos.
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