Comunicados -
15/06/23André Martin, Marina Takitani, Leonardo de Paula, Leonardo Baroni e Juan de Paula
No último dia 07 de junho, o Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”) julgou o Ato de Concentração nº 08012.001697/2002-89, que trata da aquisição da Chocolates Garoto (“Garoto”) pela Nestlé Brasil (“Nestlé”). O caso, iniciado em 2002, tornou-se um dos mais emblemáticos do direito concorrencial brasileiro, com mais de duas décadas de história, incluindo a reprovação inicial da operação e a sua subsequente judicialização.
A operação de compra da Garoto pela Nestlé foi concretizada em 2002 e notificada ao CADE nos termos da lei antitruste então vigente que, ao contrário da atual, não adotava o sistema de análise prévia de atos de concentração. Em fevereiro de 2004, o CADE reprovou a operação por resultar em uma concentração de mais de 50% no mercado nacional de chocolates, determinando a desconstituição da operação e a imposição de soluções estruturais, como a alienação de ativos adquiridos e a transferência de tecnologia e informações comerciais e industriais.
O caso foi judicializado pela Nestlé em 2005, que se opôs à decisão do CADE ao ajuizar demanda anulatória junto à Justiça Federal do Distrito Federal, questionando a validade e a proporcionalidade da decisão do CADE. Em maio de 2005, determinou-se a suspensão liminar dos efeitos da decisão e, em março de 2007, foi proferida sentença de determinando a nulidade da decisão do CADE, acatando a tese da Nestlé de aprovação tácita da operação na esfera administrativa por suposto decurso de prazo para análise do ato. Em 2009, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (“TRF-1”) reformou a sentença de 1ª instância para anular o julgamento do pedido de reapreciação interposto pela Nestlé em 2004, a fim de que o CADE emitisse novo julgamento. Após a interposição de diversos recursos ao longo dos anos, em 27/04/2021, a 3ª seção do TRF-1 proferiu acórdão unânime recomendando ao CADE que providenciasse um novo julgamento.
Assim, a análise do ato de concentração foi retomada em junho de 2021, pela Superintendência-Geral (“SG”), que constatou um movimento significativo de entrada de novos concorrentes no mercado, sobretudo nos segmentos de maior preocupação da autarquia à época da decisão de reprovação, os de chocolates sob todas as formas (industrializados prontos para consumo) e cobertura de chocolate. Em ambos os segmentos, as participações conjuntas das Requerentes foram substancialmente reduzidas.
Tais constatações da SG ressaltam os efeitos que o decurso de um prazo tão longo para a segunda decisão trouxe para a análise antitruste. Segundo o Parecer da SG, houve uma reconfiguração da rivalidade no mercado nacional de chocolates, muito em virtude dos efeitos da concentração gerados pela fusão Nestlé/Garoto já terem sido acomodados pelo mercado ao longo de duas décadas.
Na 215ª Sessão Ordinária de Julgamento do Tribunal Administrativo do CADE, o voto do Conselheiro-Relator Alexandre Cordeiro reiterou o teor do Parecer da SG, por meio do qual se “concluiu que há elementos suficientes para mitigar a probabilidade de exercício de poder de mercado pela Nestlé após a operação nos quatro mercados relevantes”. Com base nesse entendimento, o Conselheiro-Relator aprovou a operação, condicionada, no entanto, ao cumprimento de alguns remédios comportamentais definidos em Acordo em Controle de Concentrações, sendo eles:
O Conselheiro-Relator também autorizou a celebração de acordo judicial para encerrar de comum acordo a ação ordinária que tramitava no Judiciário. Os demais Conselheiros homologaram o despacho do Conselheiro-Relator, de maneira integral e sem ressalvas.
Para além da definição de um dos casos mais longevos e relevantes do direito concorrencial brasileiro, seu desfecho revela a importância do modelo de notificação em voga hoje no país, que confere maior segurança jurídica a partir da manifestação prévia do CADE antes da consumação da operação. Trata-se também de exemplo dos desafios impostos pela judicialização de decisões administrativas, especialmente no que se refere aos impactos da mora do Judiciário brasileiro, que pode gerar prejuízos aos agentes econômicos e à autoridade antitruste, a partir da demora na consumação da operação e de seus impactos na análise antitruste.
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